O 25 de abril do cais das colunas, Lisboa, 1974, por Alfredo Cunha
Nas muralhas da cidade
Há 16 horas
Eu gostava de dizer ao actual Presidente da República, aqui representado hoje, que este país não é seu, nem do Governo do seu partido. É do arquitecto Álvaro Siza, do cientista Sobrinho Simões, do ensaísta Eugénio Lisboa, de todas as vozes que me foram chegando, ao longo destes anos no Brasil, dando conta do pesadelo que o Governo de Portugal se tornou: Siza dizendo que há a sensação de viver de novo em ditadura, Sobrinho Simões dizendo que este Governo rebentou com tudo o que fora construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos, falando da “total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página”.(...)Este país é de todos esses, os que partem porque querem, os que partem porque aqui se sentem a morrer, e levam um país melhor com eles, forte, bonito, inventivo. Conheci-os, estão lá no Rio de Janeiro, a fazerem mais pela imagem de Portugal, mais pela relação Portugal-Brasil do que qualquer discurso oco dos políticos que neste momento nos governam. Contra o cliché do português, o português do inho e do ito, o Portugal do apoucamento. Estão lá, revirando a história do avesso, contra todo o mal que ela deixou, desde a colonização, da escravatura.
Alexandra Lucas Coelho, no seu discurso de recepção do prémio APE
Além dos restantes problemas com os quais têm de lidar, o artista tem de travar uma batalha perpétua para se libertar. Quero dizer, escapar à opressão contínua e sem sentido que diariamente ameaça aniquilar todos os incentivos. Mais do que os restantes mortais, o artista precisa de um ambiente harmonioso. Sendo escritor ou pintor, pode trabalhar onde quer que seja. O problema é o seguinte: onde é barato viver, onde a natureza é convidativa, é quase impossível arranjar os tostões necessários para não bater a bota. Um homem talentoso tem de pôr a subsistência ou a arte em segundo lugar. Escolha difícil.
Henry Miller, em O Big Sur e as laranjas de Jerónimo Bosh
(...) Mas meu caro André, com que autoridade me faz El-Rei marquês de Treixedo?O Cavaleiro levantou vivamente a cabeça numa ofendida surpresa.- Com que autoridade? Simplesmente com a autoridade que tem sobre nós todos, como Rei de Portugal que ainda é, Deus louvado!E Gonçalo, muito simplesmente, sem fumaça nem pompa, com o mesmo sorriso de suave gracejo:- Perdão, Andrezinho. Ainda não havia reis de Portugal, nem sequer Portugal, e já meus avós Ramires tinham solar em Treixedo! Eu aprovo os grandes dons entre os grandes Fidalgos; mas cumpre aos mais antigos começarem. El-Rei tem uma quinta ao pé de Beja; creio eu, o Roncão. Pois, dize tu a El-Rei, que eu tenho imenso gosto em o fazer, a ele, marquês do Roncão.O Barrolo embasbacado, sem compreender, com as bochechas descaídas e murchas. Da beira do canapé, Gracinha, toda corada, faiscava de gosto, por aquele lindo orgulho que tão bem condizia com o seu, mais lhe fundia a alma com a alma do irmão amado.
Eça de Queirós, em A Ilustre Casa de Ramires