sexta-feira, 31 de maio de 2013

um diálogo interessante

Posso fazer-lhe também uma pergunta, Ora essa, senhor presidente, à vontade, Votou em branco, Anda a fazer um inquérito, Não, é só uma curiosidade, mas se não quiser não responda. O homem hesitou um segundo, depois, sério, respondeu, Sim senhor, votei em branco, que eu saiba não é proibido, Proibido não é, mas veja o resultado. O homem parecia ter-se esquecido do amigo imaginário, Senhor presidente, eu, pessoalmente não tenho nada contra si, sou até capaz de reconhecer que tem feito um bom trabalho na câmara municipal, mas a culpa disso a que está a chamar resultado não é minha, votei como me apeteceu, dentro da lei, agora vocês que se amanhem, se acham que a batata escalda, soprem-lhe, Não se altere, eu só pretendi avisá-lo. Ainda estou para saber de quê, Mesmo querendo não saberia explicar, Então tenho aqui a perder o meu tempo, Desculpe-me, tem o seu amigo à espera, Não tenho nenhum amigo à espera, só queria ir-me embora, Então agradeço que tenha ficado um pouco mais, Senhor presidente, Diga, diga, não faça cerimónia, Se algo sou capaz de entender do que se passa na cabeça de um homem, o que o senhor tem aí é um remorso de consciência, Remorso pelo que não fiz, Há quem afirme que esse é o pior de todos, o remorso de termos permitido que se fizesse, (...)

José Saramago, em Ensaio sobre a Lucidez

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