A bola de ano novo de Time Square, Nova York, 1978
Nas muralhas da cidade
Há 17 horas
Farto de voar, pouso as palavras no chão. Entro no mar, sinto o sal de mão em mão. Tenho um barco na vida espetado, só suspenso por fios de um lado e do outro a cair, no arpão.Levo a dormir, sonhos que andei para trás. Ergo o porvir, trago nos bolsos a paz. Tenho um corpo na morte espetado, só suspenso por balas de um lado, e do outro a escapar de raspão.Sérgio Godinho, in Farto de Voar
Mas a família Leo Vast resistiu confortavelmente às mudanças. Era como se as mudanças políticas afectassem a base da sociedade, mas nunca chegassem aos andares mais altos. O dinheiro é democrático, se necessário, e ditatorial, se necessário. É a matéria flexível por excelência. Obedece às leis que ele próprio impõe: eis o dinheiro.
Gonçalo M. Tavares, in Um Homem: Klaus Klump
Nunca parto inteiramente. Vivo de duas vontades: uma que vai na corrente, a outra presa à nascente, fica para ter saudades.
Manel Cruz, in Nunca parto inteiramente
Gosto muito de Lisboa, sobretudo como a parte velha se conservou e está viva dentro da cidade moderna. Há qualquer coisa de tradicional que dá um ritmo especial à vida em Lisboa, de que gosto muito. Fiquei sempre com uma magnifica impressão, é uma cidade com muita personalidade, onde a vida parece que vai mais lenta do que noutras partes. As livrarias são muito bonitas. As velhas tascas, tão simpáticas, de ambiente tão acolhedor. É uma cidade muito literária, não? (...)
Apesar de termos muitas diferenças politicas, éramos muito amigos. E sou muito amigo de Pilar, sua viúva. Creio que Saramago contribuiu muito para impregnar Lisboa de imagens literárias. É impossível chegar a Lisboa sem sentir a presença da literatura, que está impregnada nas ruas. Gostaria muito de escrever aí, nos cafés, nas ruas. (...) Gosto da coisa enlouquecida que têm os seus romances (António Lobo Antunes), que começam na realidade e disparam sempre para um mundo visionário, quase fantástico. Um escritor muito interessante, em contraponto com Saramago, que era mais apegado ao mundo objectivo. Complementam-se. (...)
Li muito em português. Gosto muito da língua, acho-a bela, musical, poética, literária. Li toda a obra do Pessoa em português, mesmo havendo boas traduções. Sou um grande admirador do Pessoa.
Mario Vargas Llosa, em entrevista para a Sábado
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele
Alberto Caeiro, in O Tejo é mais belo
Todos sabem que o silêncio do Presidente é de ouro, hoje a cotação do ouro foi de 1730 dólares por onça, uma onça são 31 gramas, mais 1.7% do que a cotação do ouro naquele dia (...) em que a generalidade dos portugueses ficou a saber o significado da conjugação de três letras do alfabeto português: "t, s, u"
Cavaco Silva, ironizando sobre o seu silêncio (expresso)
fica sempre tanta gente para trás ou é para a frente nem me lembro agora tanto faz. os ofícios, as rotinas que escaparam rapaz, as mentiras, as meninas que deixaste em paz. as leituras, as viagens, as carreiras que deixaste em paz. já perdeste um companheiro e estás inteiro sem os sonhos que deixaste em paz, a velha ganância, a namorada de infância, a casa no bairro, o carro
e tudo o que não volta atrás do karma que deixaste em paz.
I am no longer sure of anything. If I satiate my desires, I sin but I deliver myself from them; if I refuse to satisfy them, they infect the whole soul.
Jean-Paul Sartre
The brothel was opposite the hotel where I was staying. It was the woman pimp- the madam. The gay man. And the maid.
Henri Cartier-Brensson, sobre a fotografia.
Klaus deixou o seu oficio, mas apenas hoje. Trabalha numa tipografia, mais: é editor, quer fazer livros que perturbem tanques.Isso não é um livro, é uma pequena bomba.Queres perturbar tanques com prosa?
Gonçalo M. Tavares, in Um Homem: Klaus Klump
O que você não sabe e nem sequer pressente, é que os desafinados também têm coração.
Desafinado, de João Gilberto
Metidos nesta pele que nos refuta,
Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já o diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.
Saramago, in Arte de Amar
a corda ainda prende o pé mas eu já fugi daqui tantas vezes
que não sei se vou voltar
a corda do elefante sem corda, linda martini
o rio é tejo é azul. o teu nome escrito é azul. o teu lábio no meu é azul. E o que sangrou caiu ao chão. e o nosso amor morreu no chão, mas o lugar fica azul
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio, in Cântigo Negro
o rapaz dotado de três mortes
tem um sonho exactamente igual ao
meu. espera encontrar quem genuinamente o
queira, sem condições, como se esperasse
pela água e fosse semente e pudesse germinar
com o aspecto que lhe aprouvesse e ser, enfim,
de uma qualquer espécie sem reservas nem
preocupações.
o rapaz dotado de três mortes
só pensa em morrer. acorda para morrer.
pensa que a morte é a grande oportunidade. tudo
o mais é atrito no caminho. pensa que,
se houver deus, a morte é
verdadeiramente a oportunidade que conta. e
esforça-se por merecê-la.
hoje, sem que eu contasse, olhou para mim, não
disse nada, percebeu como éramos iguais e
não me estranhou. convenci-me de que já vira
outros como nós, à espera, fartos da vida
com ar de quem ainda quer mais. cheguei a casa,
pouco depois, soterrei a alma, permaneci
imóvel diante dos livros. pensei, há-de
haver um poema que me tire daqui, um
só poema que me traga a morte com toda a
benignidade do mundo
valter hugo mãe in pornografia erudita
Misty is a drunk, shamanic drifter character offering you a cup of his home-brewed ayahuasca tea. There is nothing naive or sentimental about him. He’s a loner who doesn’t see the world as being worth saving. ‘Father John Misty’ is not really even meant to be taken as a literal person, more like an avatar of mischief. He likes to needle people a little and freak ‘em out. But I could’ve called him ‘Steve.
Tu és o teu mundo, tu és o teu fundo,
tu és o teu poço, és o teu pior almoço
és a pulga na balança, és a mãe dessa criança,
és o mal, és o bem, és o dia que não vem
Borboleta, Foge Foge Bandido
Nessa tarde, com a serenidade melancólica de quem tomou uma resolução dolorosa, foi passear ao acaso para fora da vila. E ia resumindo a sua existência, procurando explicá-la: donde vinha que que só recebera do mundo desilusões? Da falta de simpatia, pensou. Quem o tinha estimado, amado, desde que o seu pai morrera, e que ele entrara na vida? Ninguém! Em Coimbra, não tinha amigos: para os seus companheiros, com quem comia, a quem admirava, era o Arturzinho, o caloiro. Tinha passado na geração académica desconhecido, ruminando as suas exaltações, encolhido na sua batina, sem ruído. Um dia, o caloiro fora para a terra, acabou-se! Depois, em Oliveira, - quem encontrara? O Teodósio era o bruto, para quem a amizade era acompanhá-lo de madrugada, entre os restolhos de Santo Estêvão, à caça das perdizes! O Rabecaz, que sabia ele de afeições, de ligações de espírito, aquele embrutecido, retirado, pela pobreza, dos bordéis e das batotas, - vivendo entre o copo de aguardente e uma carambola catita? E em Lisboa? O Meirinho, caloteara-o; o Melchior, explorara-lhe jantares e tipóias; o Nazareno, chamava-lhe vilão, o Damião canalha; o Manolo, roubara-lhe a rapariga; e querer ser estimado pelo Videirinha, era como ser perfumado por um esgoto. Nunca recebera o amparo da Amizade, nem sentira o calor fortificante da Simpatia ambiente, sem o qual o homem vai pela vida, com por uma floresta escura, tropeçando contra troncos que o magoam, atirando-se a silvados que o ferem - sem encontrar a estrada real, onde está a luz, a paz. Ninguém! Ninguém!
Não, enganava-se: alguém o amava, uma pobre velha, simples, de coração amante, que ela mesma na vida só tivera lágrimas - e que estava, agora, sob a lousa, naquele cemitério, de que ele via, ao fundo do atalho por onde ia caminhando, os ciprestes agudos. E apressou então o passo, para ir ver a sepultura da tia Sabina.
Eça de Queirós in A Capital!
É o meu brinquedo, é o meu brinquedo!Eu estrago, eu arranjo, eu entendo
E sobretudo é nele que eu aprendoA calar meu medo