terça-feira, 18 de setembro de 2012

A capital!

Nessa tarde, com a serenidade melancólica de quem tomou uma resolução dolorosa, foi passear ao acaso para fora da vila. E ia resumindo a sua existência, procurando explicá-la: donde vinha que que só recebera do mundo desilusões? Da falta de simpatia, pensou. Quem o tinha estimado, amado, desde que o seu pai morrera, e que ele entrara na vida? Ninguém! Em Coimbra, não tinha amigos: para os seus companheiros, com quem comia, a quem admirava, era o Arturzinho, o caloiro. Tinha passado na geração académica desconhecido, ruminando as suas exaltações, encolhido na sua batina, sem ruído. Um dia, o caloiro fora para a terra, acabou-se! Depois, em Oliveira, - quem encontrara? O Teodósio era o bruto, para quem a amizade era acompanhá-lo de madrugada, entre os restolhos de Santo Estêvão, à caça das perdizes! O Rabecaz, que sabia ele de afeições, de ligações de espírito, aquele embrutecido, retirado, pela pobreza, dos bordéis e das batotas, - vivendo entre o copo de aguardente e uma carambola catita? E em Lisboa? O Meirinho, caloteara-o; o Melchior, explorara-lhe jantares e tipóias; o Nazareno, chamava-lhe vilão, o Damião canalha; o Manolo, roubara-lhe a rapariga; e querer ser estimado pelo Videirinha, era como ser perfumado por um esgoto. Nunca recebera o amparo da Amizade, nem sentira o calor fortificante da Simpatia ambiente, sem o qual o homem vai pela vida, com por uma floresta escura, tropeçando contra troncos que o magoam, atirando-se a silvados que o ferem - sem encontrar a estrada real, onde está a luz, a paz. Ninguém! Ninguém!

Não, enganava-se: alguém o amava, uma pobre velha, simples, de coração amante, que ela mesma na vida só tivera lágrimas - e que estava, agora, sob a lousa, naquele cemitério, de que ele via, ao fundo do atalho por onde ia caminhando, os ciprestes agudos. E apressou então o passo, para ir ver a sepultura da tia Sabina.

Eça de Queirós in A Capital!

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